quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Crítica de Antônio Hohlfeldt




A fragmentação pós-modernista em sentimentos exasperados


O diretor Roberto Oliveira tem enfrentado diferentes problemas, mas persiste em manter em funcionamento seu Depósito de Teatro. Atualmente, ele está albergado na Usina do Gasômetro, onde, no momento, apresenta o espetáculo Violência e paixão, reunindo colagem de textos de Hilda Hilst, Nelson Rodrigues, Marquês de Sade e experiências de vida dos próprios intérpretes, um conjunto de jovens atores e atrizes que surpreende pela garra e pela disposição com que realiza as difíceis tarefas colocadas como desafio pela direção.

Há dois grandes prejuízos para o trabalho de Roberto Oliveira: o calor, numa sala totalmente fechada e que se pretende envolvente em relação ao espectador, isolando-o do restante do mundo, sem ar-condicionado, o que dificulta profundamente a concentração. E o excesso de espetáculos e de atividades que ocorre na Usina, tanto dentro quanto fora, e que, sem isolamento acústico, por vezes quase inviabiliza o trabalho, na medida em que um espetáculo se mistura a outro.

Violência e paixão está estruturado em dois grandes blocos: no primeiro, fora da sala, os atores fazem sua preparação física e apresentam textos variados, sobrepostos uns aos outros e que, pelo excesso de ruído externo, praticamente se torna inaudível. Ressalte-se aqui, de qualquer modo, a boa preparação física do conjunto. No segundo bloco, somos convidados a entrar num espaço tripartite. Há duas salas separadas por um auditório. Parte da plateia fica numa sala, outra parte se coloca na outra. Cada sala apresenta um texto diferente. Em certo momento, todos nos reunimos no auditório central e, mais tarde, trocamos de sala. Pode-se ouvir o texto de uma sala na outra, e inclusive há cenas concatenadas entre um espaço e outro, o que deve ter exigido treinamento meticuloso por parte do grupo. Em síntese, há que se ir pelo menos duas vezes ao espetáculo para poder conhecê-lo todo, o que não fizemos.

A colagem dos textos torna-os inidentificáveis, o que é bom, porque evidencia sua recriação. Assim, temos um texto novo, absolutamente inédito. De outro lado, o texto é o que menos importa. Neste espetáculo, Roberto Oliveira apostou no trabalho sensorial, de ator e de composição do espaço e do movimento cênico. Isso traz uma dose de extrema exigência para os intérpretes, que, justamente por serem jovens atores e atrizes, surpreendem pela segurança, o que evidencia um cuidadoso trabalho preparatório do diretor. Nas cenas a que assisti, Aloísio Dias e Agatha Andriola; Alexsander Vidaletti e Janaína Lima; na cena conjunta, além desses, ainda Alexandre Modesto farias, Rui Koetz, Karina Rocca, Roberta Turski e Scheiler Fagundes. A direção-geral de Roberto Oliveira teve a assessoria de Elisa Heidrich e Elisa Bueno, sendo que a primeira responde pela concepção geral do espetáculo.

Roberto Oliveira, de certo modo, faz um salto no precipício. Tem suficiente maturidade para isso e o comprova pelo modo com que concretiza o espetáculo, em todos os detalhes. Fiel ao título, o tema da paixão leva-o à proximidade do masoquismo e do sadismo, com figurinos e cenários exclusivamente vermelhos. Oliveira recria imagens de Ensor (labirintos), Matisse, Coreggio e Botticelli (madonas) e Fouquet.

A fragmentação cênica, de certo modo, evidencia a própria percepção do que a paixão e a violência provocam: a perda da identidade, a impossibilidade de percepção do conjunto e da realidade etc. Por outro lado, a concepção do espetáculo refere o voyeurismo característico de recentes produções televisivas, o que abre um outro ponto de debate em torno do trabalho. Isso porque toda a verbalização é exagerada, propositadamente, constituindo como que um ritual a que o espectador assiste, como se dentro da própria cena.

Não é o tipo de espetáculo que me emocione, mas quero registrar que reconheço sua qualidade, recomendo-o e, sobretudo, elogio o resultado alcançado, que é verdadeiramente provocador.

Notícia da edição impressa de 17/12/2010

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